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Salvador se expande para o Sul

Por Vinicius Jacob

Em meados do século XIX, uma grande parte das habitações da cidade de Salvador conviviam com a total falta de saneamento. Embora fosse uma metrópole estupidamente desigual e excludente, ricos e pobres dividiam o mesmo espaço público e social, gerando uma superpopulação em espaços físicos limitados. O centro de Salvador tornou-se um esgoto a céu aberto, ficando seus moradores expostos aos mais variados tipos de doenças e epidemias.

Foi neste contexto de imundice, que a partir de 1850 a paisagem urbana ao sul da Baia de Todos os Santos e orla Atlântica, região que no passado era considerado subúrbio da capital como Vitória, Graça e Barra passou a atrair o interesse da elite soteropolitana, ganhando assim novos contornos promovidos pelo poder público, e principalmente pela iniciativa privada.

Só para vocês terem uma ideia, até o ano de 1829 os limites territoriais da cidade, continuavam iguais como havia sido demarcado no século 16, não sofrendo nenhuma modificação, inviabilizando assim investimentos para o processo de expansão da metrópole que a cada dia via crescer sua população de forma desorganizada, principalmente no centro e em algumas freguesias próximas como Pilar, Conceição da Praia, Santo Antônio Além do Carmo, Passo, Santana e a mais popular de todas, a freguesia da Sé.

 

Com o objetivo de colocar Salvador na modernidade, o poder público começou a formular políticas de intervenção urbana, criando a partir 1848, órgãos como a inspetoria de obras públicas, o conselho de salubridade, a diretoria de higiene, dentre outras, levando a partir desse momento a um controle dos serviços públicos por parte da intendência municipal.

 

Graças a esta nova lógica de urbanização, visando desafogar o superlotado centro de Salvador, que a partir de 1850 começaram a ser feitas obras e melhorias estruturantes de mobilidade, ligando localidades por estradas, como a que liga o Canela, atual Padre Feijó ao Campo Santo, Rio de São Pedro ao Campo Santo, a atual Euclides da Cunha, o Campo Grande a Graça, Ladeira da Barra ao Farol, estrada da Graça-Barra, atual princesa Isabel e a estrada da Vitória, obras fundamentais e que culminaram naquela que seria a principal ligação do centro administrativo da cidade com o sul de Salvador, a Avenida Sete de Setembro inaugurada em 1915 e a avenida oceânica, atual Getúlio Vargas em 1923.

 

Foi nesse contexto de modernidade e transferência de uma nova logica urbanística ocupação dos espaços urbanos ao sul da baia que nasceu o bairro da Barra, um remoto povoado habitado por pescadores e pequenos posseiros que viviam da agricultura de subsistência, e algumas poucas, porem imponentes casas, utilizadas para veraneio.

O acesso a essa localidade sempre foi muito difícil, feito por caminhos rudimentares, gerando transtornos aos veranistas que começaram a exigir melhorias aos poderes públicos. Foi a partir de meados do século 19 que essas melhorias começaram a surgir com a abertura das estradas da Graça, atual Avenida Princesa Isabel, e a de Santo Antônio, Ladeira da Barra, e com elas a ampliação do sistema viário e a circulação do transporte público, a gôndola que rodava sobre trilhos e puxado por animais, isso no final de 1870.

Neste contexto de expansão para o Sul, a antiga Vila Velha viu seus estreitos e antigos caminhos se transformarem em estradas pavimentadas, chegando à década de 1920 com seu plano viário básico estabelecido, restando apenas a pavimentação e ocupação do seu interior, situação essa que começou a se consolidar no início do século 20, com a construção de casas para alugar e vender para classe média.

As primeiras edificações deste tipo foram meia dúzia de casas na Vila Brandão na Princesa Isabel, terreno do comerciante Augusto Cesar. Outro grande investidor foi Manoel de Souza Campos Filho, rico proprietário que loteou seu terreno nas imediações do porto da barra, construindo casas também para alugar e vender.

Outros figurões também investiram no mercado imobiliário, loteando seus terrenos a exemplo Manoel de Sá Gordilho na atual rua Barão de Sergy, Francisco Romão Antunes na região da rua Lorde Crochrane, e do intendente municipal e empresário, Júlio Brandão na Barra Avenida, além de outros.

O processo de expansão e especulação imobiliária iniciada na primeira década do século 20 ganhou contornos gigantescos em direção à orla atlântica com o loteamento Barralândia construído em 1938, fazendo dessa área, as ruas Afonso Celso, Avenida Marques de Leão e adjacências, uma das mais cobiçadas da cidade.

Se no século 19, ricos e pobres dividiam os mesmos espaços públicos e sociais em Salvador. O século 20 foi certamente um divisor, criando um Apartheid, uma linha imaginária separando ricos e pobres.

Vinicius Jacob é professor e historiador

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